África do Sul

Imagino uma nuvem. No meio dos círculos de medo e ódio, loucura e amplitude deste país, aparece na forma de um momento. Dou-lhe um nome. Humanidade.
Têm um ar duro, são quatro ou cinco ou mais homens de um negro aflito a sair-lhes de cada poro. Enfrentam a máquina fotográfica com desprezo de bandido. As mãos são armas e dedos desiludidos. Mas de pose firme para a incerta posteridade. Até que lhes mostro o resultado. Só observo. E tremo. Com medo. Um a um, pegam no seu reflexo. É esse o momento que retenho. De uma nuvem a sair-lhes pelos dentes. Feliz. A violência esquecida por um instante de verdade. E da maior humanidade.
Outra nuvem: no meio de um caminho duro, entre leões, vida e a terra maior do mundo, uma cassete velha canta, em Xhosa, língua de estalos e surpresas. "Com a voz canto a minha África, a minha liberdade".
- Esta é a única frase de toda a canção. – diz o Sam, um homem de sonhos que nos guia por aquele castanho forte. - Não gosto de músicas cheias de letras. As frases verdadeiras precisam de espaço. Imagino mais nuvens. Esmagadas por medos, ódios, loucuras e amplitudes deste país. Tão negro e branco e inicial. O maior país do mundo. Espero que existam.
Escrevo em casa. Em círculos. Sem saber se cheguei ontem ou não cheguei ainda. Tenho este sul de África na garganta, em pedaços vivos. Como uma música de letra verdadeira e que precisa de espaço. Uma nuvem.
Texto: Clara Faria Piçarra

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