Era uma vez. Uma imagem.
De uma família a receber-nos no Tahiti com colares de silêncio e flores brancas. Tínhamos acabado de chegar a um lugar onde tudo é diferente. Onde se apaga o resto do mundo e a terra nos foge dos pés. Onde tudo se passa dentro do peito.
Era uma vez. Um sopro.
De verde. De azul. De acaso. A cada passo quase um abismo.
Numa primeira volta à ilha uma tontura de imensidão impede-nos de acreditar. Depois, de mansinho, conseguimos levantar os olhos. São as árvores que começam. Pesadas, debruçam-se para nos oferecerem fruta. Quase sentimos o alívio. Num instante seguinte, imperceptível, o mar inunda-nos com corais e transparência. E não deixamos de ser nós. Só passamos a ser mais terra.
Era uma vez. Um espanto.
Numa ilha tão longe que pensamos que não existe. Em Huahine. Descobrimos que se pode respirar enquanto se vive a novidade. Um casal com cinco filhos mostrou-nos isso quando nos recebeu dentro da sua humanidade. Não sei o que aprendemos. Que os mortos se enterram na areia do jardim? Que se pode viver ao ritmo do sol? Que há árvores que nos abraçam? Não sei. Talvez não seja preciso aprender nada.
Era uma vez. Uma dança. Uma montanha. Uma ilha sem ninguém.
Em que os braços falam da chuva e da memória com uma harmonia que não cabe nas mãos. Em que os pés sobem com surpresa. Onde a recordação é demasiado grande para se guardar.
Era uma vez. Um início.
Quando nos despedimos e recebemos de cada pessoa um colar de búzios.
Não significam o nosso regresso. Emprestam a voz ao desejo que regressemos. Acrescentam-nos.
Era uma vez uma crónica diferente. Sem linhas de invenção. Porque sim. E porque há momentos que nos transformam a vida. Simples instantes ou dias inteiros. Como estes.
Texto: Clara Faria Piçarra
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