Havana


O silêncio vence.
Derruba perguntas, curiosidades, com uma força que ultrapassa o hábito. Os olhos baixam-se, quase tocam nos ombros, desviam-se naturalmente de quem os ouve.
Em quatro dias, o Bernardo foi o primeiro a falar. E foi aí que se abriu uma porta para um novo mundo.

As paredes são de um branco antigo, com a espessura da História. Sentámo-nos na única mesa, no centro da sala. Os três, isolados, como se fôssemos a própria ilha.
E falou. E descobriu. E perguntou.
Um mestrado sem canetas, sem papel, sem internet. Que estudava na Universidade. Sociologia. Que era voluntário. Que estava longe de casa. Que o filho era médico. E motorista. E barbeiro. Não, não queria comer. Só saber. E nós só ouvidos. De olhos a quererem chorar-nos.
E falámos. E descobrimos. E perguntámos.

Acabáramos de entrar no dilema.

Pela pequena janela via-se um pedaço de rua. As casas pareciam pintadas de fresco, de um azul puro cheio de sentido; as pessoas cantavam, abraçavam-se; as árvores estavam maiores, mais verdes, a preencherem de sombra os espaços quentes.
Despedimo-nos com um adeus incerto dentro das mãos. A rua estava deserta. E, à medida que evoluímos o passo, o silêncio passou a ser nosso.

Iniciar uma viagem, de um ano, por Cuba é como se uma suave violência me abrisse em dois. É tudo muito mais Tudo do que se imagina. Talvez um dia, de longe, muito mais longe, já sem tempo nos dedos, consiga escrever sobre a humanidade deste país. Histórias que, por enquanto, gritam demasiado alto para que se consigam ouvir.

Até lá, como me ensinou um amigo cubano:
- Bebamos uns Runs para que se acabem as penas!

Texto e Fotografia: Clara Faria Piçarra

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