Grande Barreira de Coral e Pequim



Concentro-me no espaço ínfimo entre mundos e vivo esse momento. Viajar tem destas alturas. Em que estamos apenas no meio.
Abro os olhos sem sono e mergulho no mar de coral. Ouço as cores, os peixes, a transparência. Não sei o que dizem. Entrei num mundo de outras histórias. A razão, as palavras, o poder do argumento ficaram no barco. Aqui entramos despidos de nós. Ouve-se com a pele, trocam-se os sentidos. É um peixe papagaio que me mostra o caminho. Espirais amarelas, azuis, negras, atravessam-me o horizonte. São ritmos. E hábitos. E texturas. Enormes e invisíveis, que participam ou se disfarçam, que aparecem do fundo ou do improvável. Vidas que me espantam a cada gesto de diferença. E eu, sem peso, sem respiração, sou mais do que um silêncio apesar de sem voz.

Abro os olhos sem sono e dou um passo para a rua. Oiço o vermelho, as vozes, o fumo. Não sei o que dizem. Entro num mundo de outras histórias. A opinião, as palavras, o poder do meu querer ficaram no quarto. Aqui entramos despidos de argumentos. Um casal oferece ao filho um papagaio de papel, uma explosão de cores presas à mão por um fio. Sigo-o por um instinto. E estou na multidão. De hábitos. E ritmos. E texturas. Tudo está a acontecer. Vende-se o puro e o improvável, com gritos ou no disfarce. Jogos, comida e meias juntam-se aos cantos de um qualquer fundo. A cada passo uma tradição, uma vida que se junta a outro alguém. Do nada, um fogo-de-artifício espanta os gestos de tanta diferença. E eu, com o peso dos cheiros e sem respiração, sou mais um silêncio que não precisa de voz.
Viajar tem destas alturas. Em que não há mundos que nos separem.
Texto: Clara Faria Piçarra

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